O delírio genial de padre Gallo
Concebido por Giovanni Gallo, padre italiano de gênio visionário, o Museu do Marajó, em Cachoeira do Arari, é uma instituição incrível que explica a vida marajoara com o uso de aparatos artesanais interativos, batizados por seu criador de “computadores caboclos” |
...Caixa de surpresasDa esquerda, sentido horário: um salão do Museu; painel com palavras brasileiras de origem tupi; Padre Giovanni Gallo; fachada do Museu do Marajó, em Cachoeira do Arari. |
Padre Giovanni Gallo (1927- 2003) era italiano, de Turim. Mas gostava de ser chamado Jovano, Galinho, ou Garnizé. Para as crianças de Cachoeira do Arari, na Ilha de Marajó, era simplesmente o Lalá: A bênção, Lalá! Afinal, todo marajoara que se preze pede a bênção aos mais velhos e tem um apelido dado por amigos.
Desde o primeiro dia em que colocou os pés nesta ilha arcana e povoada de mistérios, padre Gallo sentia-se marajoara. De corpo e alma. O seu coração mandou e ele prontamente disse sim: naturalizou-se brasileiro.
Da infância humilde em Turim, padre Gallo lembrava-se de que gostava muito de ler e estudar. Mas não guardou nenhuma recordação da visita que Jesus lhe fez, quando teve meningite e foi desenganado pelo médico – como seu pai afirmava aos quatro ventos. O velho contava que certo dia, no período da doença, ao voltar da igreja onde fora pedir que os anjos acolhessem o filho moribundo, encontrou o menino alegre e descrevendo para os demais a visita celestial que acabara de receber.
Giovanni guardava também a lembrança viva de que, aos seis anos, percebeu que havia algo errado com os seus olhos: era incapaz de distinguir as cores. Envergonhado, sempre escondeu a deficiência. Mais tarde, na Sardenha, quando já era sacerdote ordenado da Companhia de Jesus, constatou ter acromatopsia quase total. Das dez mil gradações de cores percebidas por um olho normal, ele só distinguia dez. Padre Gallo, no entanto, enxergava com os olhos da alma.
Aos 40 anos, ofereceu-se para trabalhar no Brasil, na Ilha de Marajó, da qual apenas ouvira falar. Chegou a Jenipapo no início da década de 70, e foi um choque. Nesse vilarejo no interior da ilha, todo construído em palafitas – da igreja ao mercadinho –, não havia água, luz ou telefone, e a comida era precária. Não havia posto médico.
No jardim-de-infância, encontrou só duas escovas de dente – uma para os meninos e a outra para as meninas. “Poderia estar na Suíça ou na Escandinávia, mas estava em Marajó. Confortava- me o fato de ter escolhido uma missão que, apesar de difícil, reservava para mim muitas satisfações como padre e como homem”, refletia ele.
Com muito esforço, o padre construiu o posto de saúde de Jenipapo e passou a sonhar com uma escola que fosse além da quarta série. Ao mesmo tempo, pensou no que fazer para incentivar, em toda a comunidade, o interesse pelo estudo e pelo conhecimento.